Mia Couto, escritor moçambicano considerado um dos melhores escritores em língua portuguesa da atualidade, falou citando o sociólogo indiano André Béteille: “Falar uma língua torna-nos humanos, sentir-nos confortáveis em mais de uma língua nos torna civilizados”. Ele fala sobre cultura, e a possibilidade de compreensão mútua e entrar em contato com outros, não sobre a língua exclusivamente. Sentir-se confortável em outra língua requer sairmos de nossa zona de conforto e assumir riscos no mundo e nas palavras dos outros. Ao mesmo tempo, outra língua nos da à oportunidade de fortalecer nossa própria língua, pois sentir-se confortável em outra língua implica compreender e sentir-se confortável em nossa própria língua. Quando aprendemos um novo idioma, começamos a perceber as características do nosso próprio idioma. De repente aquelas características que são mecânicas na interação com os outros em nosso idioma, ganham um novo significado. Nesses momentos aprendemos mais sobre nosso próprio idioma, nossa cultura e a interação com os outros.
Aprender AIKIDO é como aprender outra língua. É mais do que aprender defesa pessoal, repetição de técnicas e desenvolver habilidades marciais. AIKIDO implica entrar em contato com um novo ambiente, aprender como se comportar em um dojo e as saudações. Temos que aprender um pouco de cultura japonesa para dar significado ao comportamento que temos que ter no dojo. Portanto, toda atividade que possui uma forte conexão com outra cultura ou que nos tira das nossas rotinas diárias pode nos dar a mesma oportunidade que o aprendizado de uma nova língua dá. Mas acredito que o AIKIDO vá além, em três aspectos relevantes. Primeiro, praticamos a maior parte das técnicas em duplas. Precisamos estar em contato com o parceiro e senti-los o tempo todo, isso é essencial para o AIKIDO. Essa necessidade desenvolve nossa atenção e percepção do outro. Ao mesmo tempo, nos dá uma melhor noção de nós mesmo. Segundo, no AIKIDO não existe competição.
Vivemos em uma sociedade que valoriza a competição e a vitória cada vez mais. É impactante quando somos colocados em um ambiente em que não há competição. Temos que aprender que não precisamos ser melhor que os outros. Precisamos somente nos desenvolver. Se os parceiros também estão se desenvolvendo, melhor para nós, porque aprenderemos mais deles. Isso cria um ambiente de cooperação, uma atmosfera comunitária. Algo que estamos sentindo falta ultimamente. Finalmente, a combinação desses dois aspectos, trabalhar sempre com um parceiro e o ambiente cooperativo, concede ao AIKIDO o atributo de se aprender com alguém em vez de se aprender de alguém. Tal qual o processo de aprender um idioma, em que temos que interagir com os outros para aprender, no AIKIDO nós temos que interagir com todos no dojo para praticar. Até mesmo o mais experiente aluno vai treinar com o recém chegado. Quando nos sentimos confortáveis praticando com todos nós estamos aprendendo AIKIDO. Nós tornamos civilizados. AIKIDO é o idioma que nos ajuda a sentirmo- nos mais confortáveis em vivermos nossas vidas, em sermos parte de uma sociedade cada vez mais diversa.
Maurício Reinert
Praticante e entusiasta do AIKIDO há mais de 20 anos
Fonte: Aikido Paraná Brasil